Uma das coisas que mais confusão me faz na atividade comercial prende-se com o facto de a encararmos, por vezes, com demasiada leveza.
Este fenómeno ocorre muitas vezes quando os vendedores já têm uma experiência bastante grande e entram naquilo que designamos por “Piloto Automático”.
Este fenómeno aparece quando os vendedores se começam a sentir confortáveis com a venda e os passos em termos de preparação que antes faziam são agora ignorados devido a acharem que já sabem tudo e que não vão encontrar nada de novo.
Este tipo de atitude é, por vezes, o princípio da transformação de um bom comercial, que até aqui se destacava na equipa, num comercial médio e que não sai da sua zona de conforto.
Quando trabalhamos com as equipas comerciais no terreno, procuramos verificar o seu processo comercial com dois objetivos.
O primeiro prende-se com a análise de situações de melhoria que possam ser passíveis de serem atingidas.
O segundo objetivo está ligado precisamente ao fenómeno do “piloto automático”.
Se quisermos explicar este fenómeno em termos cerebrais, embora de uma forma muito simplista, poderíamos encará-lo da seguinte forma:
A primeira vez que fazemos algo na vida cria-se uma ligação entre dois ou mais neurónios, também chamada de sinapse ou conjunto de sinapses.
Esta estrutura neuronal cria-se na parte superior do cérebro (de uma forma simplificada).
A segunda vez que fazemos esse algo na vida, a estrutura reforça-se, a terceira vez reforça-se ainda mais, a quarta ainda mais e por aí adiante.
Quando chegamos ao fim de um período de 21 dias ou 3 semanas, em média, dá-se um fenómeno muito interessante.
O nosso cérebro, que é uma máquina fantástica, começa a pensar e diz:
“ Hummm, se estás a utilizar este algo tantas vezes, então se calhar o ideal é que isto fosse automático e não tivesses de pensar quando o fizesses.”
Então, replica essa estrutura neuronal para a zona mais interior do cérebro, perto do hipotálamo, e, a partir desse momento, já não temos de pensar quando fazemos esse algo.
Por exemplo, quando começámos a conduzir, pensávamos em todos os passos que realizávamos, hoje em dia (em alguns casos) já nem pensamos quando o fazemos.
Com as vendas é precisamente a mesma coisa.
No início damos importância a todos os pormenores, damo-nos ao trabalho de ir verificar o site do cliente, o que faz, quem são os seus clientes tipo, etc..
Passados uns tempos, quando ganhamos confiança, já nada disto importa; com o stress das vendas e tudo ao nosso redor, começamos a ignorar todos estes passos que são tão importantes.
Coisas como criar uma proposta de valor específica para cada cliente deixam de fazer sentido na nossa cabeça.
De alguma forma, entramos no tal piloto automático e isso deixa de fazer sentido, muitas das vezes com a habitual frase:
“Os meus clientes são mais ou menos todos iguais!”
Mas será que os nossos clientes são, de facto, todos iguais?
Para mim os clientes são como cebolas.
Não se ria já, que eu explico.
Se começarmos a descascar uma cebola, camada a camada, ela vai-se tornando cada vez mais fina e cada vez mais suculenta.
Os nossos clientes são semelhantes.
Muitas vezes até nos fazem chorar como as cebolas quando as descascamos.
Quando encaramos um cliente, numa primeira abordagem, todos eles têm mais ou menos a mesma aparência.
Ao fim e ao cabo, como as cebolas.
Parecem ter os mesmos problemas, o mesmo género de pessoas que influenciam a decisão lá dentro, enfim, generalizando, parecem iguais.
Mas quando começamos a aprofundar a nossa investigação e exploração das questões chave da venda, vamos começando a perceber que se calhar não é bem assim.
Muitas das vezes, ao tomarmos as preocupações e problemas dos nossos clientes como garantidas, estamos a dar o primeiro passo para perder a venda.
Embora as empresas sejam “parecidas”, a maior parte das vezes as razões que, de facto, os levam a comprar são completamente díspares.
Por vezes achamos que a venda está baseada na rentabilidade que o nosso produto lhes proporciona e na volta tem a ver com algo completamente distinto.
Ainda na outra semana, num grande cliente nosso com quem estamos a trabalhar num processo de formação e coaching comercial, surgiu uma questão interessante como exemplo.
O nosso cliente vende um equipamento que, quando instalado na linha de produção fabril por substituição do equipamento antigo que o cliente deles tem instalado, aumenta a produção em cerca de 30% a 40%.
Quando estávamos a analisar no coaching comercial a vertente de preparação dos processos comerciais e, mais concretamente, a informação que era recolhida pelos seus vendedores antes de iniciarem um processo comercial, surgiram uma série de questões.
Todo o comercial experiente Vos dirá que vender com base no retorno do investimento que o nosso produto ou serviço traga ao nosso cliente é meio caminho andado para que a venda se realize.
Bem, neste caso a questão não era bem essa.
Tomámos um processo de venda que tinha sido perdido pelo nosso cliente e começámos em conjunto com a equipa comercial a analisar o que correu bem e o que correu mal.
O processo em causa tinha tudo, à partida, para ser ganho.
O cliente tinha ligado a perguntar por um tipo de equipamento que tinha visto na internet.
O meu cliente é líder de mercado nesta área e ainda por cima os seus produtos têm uma relação de preço / qualidade excelente.
Ou seja, pedir mais do que isto era impossível.
Mas então porque é que o processo foi perdido?
Depois de analisarmos as diferentes componentes do processo chegámos à conclusão de que o vendedor em causa não tinha descascado camadas suficientes da cebola.
Colocou algumas questões standard ao seu cliente, nº de unidades produzidas por hora, tipo dos equipamentos que ele tinha, períodos de manutenção, etc..
E após estas breves questões começou a trabalhar a sua argumentação de venda na vertente do quanto o cliente iria conseguir aumentar a sua produção e, consequentemente, em quanto tempo é que iria rentabilizar o equipamento.
Nesta fase da venda, o cliente começou a perder manifestamente o interesse, a venda foi morrendo e o comercial saiu de lá com a habitual resposta:
“Hummm. Vamos pensar”
Quando começámos a explorar ainda mais, surgiu uma questão a que o comercial não tinha dado importância.
O equipamento tinha parado, no mês anterior, três vezes devido a problemas, incorrendo em custos de paragem de produção e de imagem perante os clientes deles.
Ou seja, a verdadeira questão aqui não era a rentabilidade acrescida, a verdadeira questão era resolver um problema com o qual o cliente não podia continuar a conviver.
Ao focar-se na rentabilidade do seu equipamento em vez de na segurança que o cliente deles iria ter, o comercial do nosso cliente acabou por perder uma venda bastante sumarenta.
Esta semana pare um pouco para refletir com a sua equipa.
Será que não estamos a descascar somente as camadas de fora da cebola por não querermos estar sujeitos a chorar um pouco?
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