Tendo em conta a qualidade das demonstrações financeiras que normalmente encontramos nas empresas, a minha resposta seria não.
As demonstrações financeiras que existem na maior parte das empresas são realizadas apenas com o objetivo de cumprir a legislação fiscal e não servem como ferramenta de gestão.
O que normalmente acontece é que os gestores utilizam mapas de controlo diferentes das demonstrações financeiras e raramente os cruzam com estes documentos, provocando um total distanciamento entre o que acontece na empresa e o que espelham as demonstrações financeiras.
Tem sido intenso o debate ao longo dos últimos anos, em Portugal e na União Europeia, sobre a obrigatoriedade ou não de existirem as demonstrações financeiras para efeitos fiscais. O caminho que tem sido seguido é o de aligeirar as exigências para as empresas mais pequenas e aumentar a complexidade da informação obrigatória em função do tipo de empresa e dos interessados (stakeholders) que deve servir.
Nos dias de hoje, em Portugal, a Autoridade Tributária (AT) tem acesso à maior parte da informação necessária para poder produzir de forma autónoma as demonstrações financeiras de uma empresa. O escrutínio é de tal forma, que poucas são as operações que não são comunicadas mensalmente à AT.
Porém, o objetivo final das demonstrações financeiras não é o de prestar contas à AT, mas sim aos interessados na vida da empresa. Clientes, fornecedores, trabalhadores, gestores e investidores são os principais interessados na atividade da empresa.
As demonstrações financeiras são importantes ferramentas de gestão que devem ser preparadas com o objetivo de ajudar na tomada de decisão por parte dos gestores das empresas.
A maioria das empresas não pode, ou não quer, ter um departamento contabilístico interno, preferindo subcontratar esse serviço a empresas especializadas. As contas da empresa devem ser assinadas por um Contabilista Certificado que garanta a qualidade técnica e veracidade dos movimentos contabilísticos.
As empresas de contabilidade, como normalmente são avaliadas pelos seus clientes por conseguirem evitar chatices com a AT e pagar o mínimo possível de impostos, focam-se na parte fiscal. Devido ao elevado volume de trabalho que implica a parte fiscal, por vezes esquecem-se que a informação que produzem é essencial para a gestão das empresas suas clientes.
Assim, quando analisamos as demonstrações financeiras de algumas empresas com que trabalhamos, encontramos “contas saco” para onde vão todos os movimentos relacionados com aquele assunto, tornando quase impossível a sua leitura e muito difícil a sua utilização na tomada de decisão.
Por exemplo:
- Contas de fornecedores e de clientes não especificadas, isto é, todos os movimentos de fornecedores são levados à mesma subconta Fornecedores conta-corrente, não permitindo identificar quais os saldos de cada fornecedor, acontecendo o mesmo com as contas de clientes;
- Contas de Bancos todas juntas em depósitos à ordem, sem se conseguir aferir qual o saldo de cada banco;
- Contas de empréstimos de sócios (suprimentos) sem que o sócio esteja identificado;
- E, não podia deixar de referir, a célebre conta Caixa, onde continuam a aparecer todos os movimentos que a empresa de contabilidade não conseguiu identificar e que vão para conta caixa ou suprimentos.
Na verdade, a qualidade das demonstrações financeiras tem vindo a melhorar ao longo dos anos. Tem sido pedido às empresas de contabilidade um esforço adicional e um acumular de trabalho administrativo que, apesar de não ser sua responsabilidade, vão fazendo sem aumentar as suas avenças mensais.
A responsabilidade dos Contabilistas Certificados tem vindo a aumentar de ano para ano, sendo estes muitas vezes solidariamente responsáveis pelas operações realizadas pelas empresas suas clientes.
Mas, como empresários e gestores de empresas, não podemos deixar de exigir que seja produzida informação relevante para a nossa empresa e que a contabilidade seja ajustada às necessidades de gestão.
Não podemos receber as demonstrações financeiras apenas quando é realizado o apuramento do IVA ou no ano seguinte, aquando do apuramento de impostos. Seria como decidir que substituições fazer depois de terminado o jogo de futebol.
Importa acordar com os responsáveis pela execução técnica da nossa contabilidade quais as contas que queremos desagregadas, como as queremos agrupadas e, respeitando a taxonomia exigida pelas regras contabilísticas, adaptar a contabilidade às necessidades da gestão.
Receber atempadamente as demonstrações financeiras da empresa implica uma sincronização entre a nossa parte administrativa e quem executa a contabilidade. Por exemplo, para podermos exigir as demonstrações financeiras na nossa mesa até dia 20 do mês seguinte, temos de nos comprometer em fazer chegar toda a documentação à contabilidade até dia 5 de cada mês.
Tendo as demonstrações financeiras adaptadas às necessidades de gestão da empresa e recebendo-as em tempo útil, podemos afirmar que vale a pena olhar para elas e utilizá-las de forma inteligente no processo de tomada de decisão.
Ajude-nos a melhorar! Deixe-nos por favor o seu contributo para o tema.