Um dos problemas que mais encontro nas vendas de hoje em dia quando trabalho com as equipas em termos de formação e coaching comercial tem a ver com a motivação e o síndrome do cachorrinho.
Não confundir com a táctica do cachorrinho, que é habitualmente utilizada nos fechos de negócio.
Mas essa ficará, com certeza, para outro artigo.
A síndrome do cachorrinho é um dos pilares que utilizamos na formação para mostrar aos vendedores onde é que podem estar as suas zonas de melhoria.
Muitas das vezes, o ser humano é dependente em excesso da aprovação externa por parte dos outros.
Por parte da família, por parte das expectativas do pai ou da mãe, por parte da sociedade à sua volta, dos seus amigos, colegas e muitas das vezes das chefias.
Um dos melhores abanões que tive na vida, na área das vendas, deu-se quando estava a trabalhar numa empresa como vendedor.
No mês anterior as coisas até tinham corrido bem, estava 30% acima do orçamento.
No mês que corria também não estavam mal, estava já 20% acima do orçamento do mês e previa-se que chegasse ao final do mês 25% acima do esperado.
Todas as segundas-feiras havia uma reunião de vendas com o nosso director comercial.
Por questões óbvias, chamemos-lhe Eng.º Fernandes, embora este não seja o seu nome.
O Eng.º Fernandes era uma pessoa muito formal e todas as semanas passava em revista os sucessos ou insucessos de cada um na semana anterior e qual o principal enfoque para a semana que ia começar.
As reuniões eram bastante duras e quem estivesse abaixo da sua cota de vendas passava as passas do Algarve.
Em primeiro lugar, era triturado com perguntas sobre todos os aspectos dos negócios que não tinha ganho.
Em segundo lugar, levava um conjunto de conselhos e de retórica já muito ouvido por todos nós.
Como devem imaginar, estar abaixo da linha com o Eng.º. Fernandes era tudo menos simpático.
Penso que muitos de Vocês se devem identificar com essa situação.
Nessa semana em concreto, eu estava calmo.
Estando acima da linha, com os objectivos do mês já acima do orçamento e ainda não tendo terminado o mês, encontrava-me com aquele sorriso nos lábios de quem não deve nem teme.
Entrei na sala confiante e ocupei o meu lugar habitual.
Como de costume, deu-se início ao interrogatório habitual e eu, por acaso, fiquei para um dos últimos a ser visado nesse dia.
Quando chegou a minha vez, como era habitual, o Eng.º Fernandes olhou para os meus números, olhou para mim, fez uma pausa e saiu-se com o esperado elogio.
Mas, para meu espanto, o elogio trazia água no bico.
Em vez de me dar os parabéns e pronto, o Eng.º. Fernandes enveredou por outra direcção.
E a conversa foi mais ou menos nestes termos:
“José de Almeida, queria dar-lhe os meus parabéns.
O Senhor está acima do esperado pelo segundo mês consecutivo!
No entanto…”
Foi aqui que me caiu tudo aos pés!
“Tenho a informá-lo de que lamento muito, mas o senhor sofre da síndrome do cachorrinho!”
Fez-se uma pausa, que eu aproveitei para o interpelar.
“Senhor Eng.º, o que é a síndrome do cachorrinho?”
Ao que ele respondeu:
“Se não sabe, também não vai ser hoje que lhe vou dizer!
Descubra por si e se não conseguir, eu daqui a quinze dias digo-lhe.”
Podem imaginar o meu espanto com esta situação, à espera de um elogio e saiu-me isto perante uma equipa de vinte vendedores do mais competitivo que existia ao cimo da terra.
Durante esses quinze dias, como devem imaginar, sempre que o conseguia abordar sozinho tentava a minha sorte:
“Senhor Eng.º, já agora a síndrome do cachorrinho?”
Ao que ele respondia invariavelmente:
“Já lhe disse! Se não descobrir, eu digo-lhe, mas só daqui a quinze dias.”
Passaram-se quinze dias e na habitual reunião, quando chegou a minha vez, ele perguntou-me:
“José de Almeida, já conseguiu descobrir o que é a síndrome do cachorrinho?”
Com um ar bastante cabisbaixo, tive de admitir que não tinha conseguido descobrir.
“Bem José de Almeida, o senhor é um bom vendedor, mas podia ser ainda melhor.
Infelizmente, sofre da síndrome do cachorrinho!
O senhor faz uma venda grande, volta as costas e fica à espera que alguém lhe passe a mão pelo pêlo.”
Ou seja, depois de quinze dias cá estava a explicação para a famosa síndrome do cachorrinho.
O que é certo é que este homem perspicaz tinha razão.
Confesso que hoje em dia, quando olho para trás, agradeço-lhe, porque foi a melhor coisa que ele me podia ter dito nessa época.
É que ao ser alertado para isso, por uma questão de raiva, comecei a fazer as coisas porque achava que era o correcto e não pela recompensa emocional da palmadinha.
E o que é engraçado é que as minhas vendas dispararam ainda mais.
Se já estava a vender bem, passei a vender ainda melhor por ter deixado o lastro da palmadinha.
Nas vendas, bem como noutras profissões, não podemos dar-nos ao luxo de sofrermos da síndrome do cachorrinho.
O nosso sistema de recompensa e aprovação deve ser interno.
Quando é externo, invariavelmente dá mau resultado e nota-se nas carreiras das pessoas que elas não evoluem facilmente nas organizações.
Esta semana pare um pouco para pensar nisto.
Conhece alguém na sua empresa que sofra da síndrome do cachorrinho?
Quase de certeza que sim.
Ajude-nos a melhorar! Deixe-nos por favor o seu contributo para o tema.