Numa sessão de coaching com um broker duma agência imobiliária foi-me apresentada uma situação que estava a incomodar o broker, relacionada com um negócio feito por um dos seus agentes.
O agente em causa era amigo do comprador e sabia que o vendedor estaria a considerar uma baixa de preço do imóvel. Sendo o agente novo nesta atividade, estava na dúvida sobre se devia partilhar essa informação com o comprador seu amigo e dizer para aguardar até descer o preço ou se devia fazer o melhor para o seu cliente (o vendedor) e para a si (uma vez que recebe em percentagem do valor do negócio) e fechar o negócio pelo valor inicial.
Para o broker tratava-se dum dilema de ética com o qual se estava a debater. Tendo em conta que se tratava duma sessão de business coaching, acordamos tratar do business e falar sobre o assunto na hora de almoço.
Durante o almoço expliquei que do meu ponto de vista apenas se tratava dum problema de assimetria de informação, que acontece em praticamente todos os negócios. Muito dificilmente o vendedor e o comprador conhecem de igual forma as características dum produto ou serviço.
Uma loja que vende telemóveis pode baixar o preço para escoar o stock de equipamentos que sabe que vão ser descontinuados, tem de informar o comprador dessa situação? E o comprador que coleciona arte e vê um prato valioso à venda no OLX por um valor baixo, deve informar o vendedor do real valor do prato de coleção?
Estas situações relacionadas com assimetria de informação são consideradas normais numa economia de mercado. Será que o dilema de ética apenas se colocava porque se tratava dum amigo?
Este dilema fez-me lembrar uma passagem do livro “Arriscar a Pele”, do controverso Nassim Taleb, que refere o desacordo entre dois filósofos estoicos, Diógenes da Babilónia e o seu discípulo Antípatro de Tarso. O dilema era o seguinte: suponham que um homem trouxe um grande carregamento de trigo de Alexandria para Rodes, num momento em que o trigo era caro em Rodes em virtude da escassez e da fome. Suponham que ele também sabia que muitos barcos haviam zarpado de Alexandria em direção a Rodes com idêntica mercadoria. Esse homem tem de informar os rodienses?
Diógenes defendia que o vendedor deveria revelar tudo o que o direito civil exigisse. Quanto a Antípatro, considerava que tudo deveria ser revelado – de modo a que não houvesse nada que o vendedor soubesse e o comprador desconhecesse.
Basta cumprir a lei para ser ético ou devo colocar a ética acima de tudo?
Como é óbvio o dilema mantém-se nos nossos dias, não há certos nem errados, apenas formas diferentes de estar no mercado.
O que sabemos é que a assimetria de informação se mantém 2000 anos depois, mesmo com toda a “informação” disponível no Google, continua a existir informação privilegiada.
Ainda que exista muita legislação, vai sempre continuar a existir alguém que, mesmo dentro dos limites da lei, utiliza informação privilegiada em seu favor.
Apenas o mercado pode ditar se esses agentes que usam e abusam dessa informação privilegiada vão permanecer no mercado ou serão excluídos por outros agentes.
Na microeconomia, quando se estuda a tomada de decisão por parte das pessoas, sabemos que a decisão dum agente num negócio se vai adaptar no negócio seguinte em função da decisão e comportamento do outro agente envolvido. No segundo negócio com o mesmo agente, vou tomar a minha decisão em função do comportamento do agente no negócio anterior e vou continuar a adaptar o meu comportamento consoante o padrão de decisão do outro agente ao longo das interações.
Assim, uma mercearia de bairro que permanentemente “rouba” os seus clientes não vai durar muito tempo no mercado, porque os clientes vão adaptando as suas decisões até não ir mais a essa mercearia. Mas uma loja on-line que vende um produto de pouca qualidade a baixo preço para todo o mundo, pode manter-se no mercado por vários anos, pois mesmo que os agentes não voltem a comprar, a dimensão do mercado permite sempre “enganar mais um”.
Tendo em conta que a maior parte dos agentes compra e vende uma casa duas ou três vezes na sua vida, não consegue um número suficiente de interações para poder formar uma opinião sobre o outro agente. Por outro lado, como normalmente passam vários anos entre cada transação e o mercado, os agentes e as próprias pessoas mudam, cada experiência é única e será sempre mais emocional do que racional.
Portanto, na minha opinião, se o meu amigo já tivesse decidido comprar a casa com o preço inicial, fechava o negócio sem a baixa de preço e utilizava algum do dinheiro da minha comissão para tornar a sua experiência de compra memorável. Desde organizar uma festa na casa nova até oferecer um fim de semana ou uma sessão de relaxamento num SPA.
No final da refeição o broker disse-me que em parte concordava com a minha abordagem, mas que continuava com o dilema ético e não sabia bem como responder ao seu agente. Nesse momento chegou a conta e enquanto discutíamos sobre quem tinha pago a última e quem pagaria esta o dilema foi esquecido.
Estou curioso por saber na nossa próxima sessão o que disse o broker ao agente.
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